quarta-feira, 22 de maio de 2013


“Quero ficar junto a este rio, pensou Siddharta, é o mesmo que eu atravessei um dia, a caminho do povo de crianças; um barqueiro amável transportou-me nesse dia, irei para junto dele. O meu caminho afastou-me um dia da sua cabana, em direção a uma vida nova que agora se tornou velha e morreu – que o meu caminho atual, a minha nova vida, possa iniciar-se lá.
Olhou afetuosamente para a água, para o seu verde translúcido, para as linhas cristalinas dos seus contornos cheios de segredos. Viu pérolas cintilantes emergirem do fundo, bolhas de ar flutuando serenamente no espelho de água, refletindo o azul do céu. O rio olhava para ele com mil olhos, verdes, brancos, cristalinos, azuis celestes. Como ele amava esta água, como ela o fascinava, quão agradecido lhe estava! Ouvia a voz falar-lhe no seu coração, desperta outra vez, dizendo-lhe: Ama esta água! Fica junto a ela! Aprende com ela! Sim ele queria aprender com ela, queria escutá-la! Parecia-lhe que quem compreendesse esta água e os seus segredos compreenderia muitas outras coisas, muitos segredos, todos os segredos.
Mas hoje, dos segredos do rio ele via apenas um, um segredo que enchia a sua alma: aquela água corria continuamente, corria sempre mas estava sempre ali, para todo o sempre a mesma e, no entanto, a cada momento nova! Ah, quem isto compreendesse! Ele não o compreendia, sentia apenas agitar-se um pressentimento, uma recordação distante, vozes divinas.”

                                                                                                                                     Hermann HESSE, Siddharta (1998: 107,108)



 

2 comentários:

  1. Olá, Maria :)

    Não sei se foi com essa intenção que publicou este excerto de Hesse, no entanto, cruzando a informação que deixou no fórum sobre o processo de criação deste espaço com o conteúdo deste texto, fico com a sensação que, de facto, está "rendida" a esta tecnologia.

    Respira-se por aqui sensibilidade, mas também organização pelas separadores que definiu.

    Gostei.

    Rosalina

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  2. Olá, Rosalina

    Obrigada pela simpatia.

    A proposta de realização de um blogue assustou-me e achei que não conseguiria, mas este "rio" seduziu-me!

    Continuação de bom trabalho!

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